Gosto de fotografar. Não tenho talento absolutamente nenhum, mas gosto dos passeios, de explorar, de olhar com olhos de ver, de focar detalhes e de construir memórias. Mas, como disse, é arte para que nasci sem talento – a bem da verdade acho que tenho de inventar uma arte para que tenha talento; talvez venha a ser o meu talento, esse o de inventar artes. Mas adiante.
Gosto de fotografia. Não que perceba grandemente do assunto, mas o suficiente para ter um ou outro fotógrafo predilecto (Depardon! Depardon!), ou para emitir guinchos orgásmicos quando descubro fotógrafos maravilhosos e cuja existência desconhecia (como recentemente com a Nan Goldin).
Como fotógrafa amadora consigo com máquinas relativamente boas retratar as coisas bonitinhas enquanto coisas bonitinhas. A vista de Lisboa de Cacilhas. O pôr do sol no Cais das Colunas. Enfim, coisas que qualquer pessoa com uma máquina igual à minha faria.
Mas o que gosto na fotografia é quando o objecto não é nem deixa de ser bonito. Aliás, quando os objectos conseguem ser banais ou já vistos. Mas de repente a foto é mesmo bonita. E este de repente é muito rápido, mas diz tudo: porque no momento do click, fotógrafo, luz, objecto e câmara estiveram de acordo para que aquele fosse um instante digno de eternidade. Este é um talento diplomático, feito de paciência, saber e instinto; cada fotografia um acto solene resultante de uma dialética irrepetível. Para que do banal se faça extraordinário.
E este texto é tanto literal como uma metáfora. Porque a verdade é que não tenho talento mesmo nenhum para a fotografia, embora vá conseguindo de facto retratar as coisas bonitinhas enquanto coisas bonitinhas.